Durante muito tempo, as pessoas recorriam a bancos e corretoras para escolher o melhor meio de alocar seus recursos. Mas, atualmente, existe uma opção muito mais vantajosa para consolidar seu patrimônio ou, simplesmente, transferir dinheiro entre usuários: a transação de criptomoedas. Diferente de outras moedas, como o real ou dólar, as criptomoedas só existem no meio virtual, sendo guardadas em uma carteira digital. 

E elas são muitas. Segundo estatísticas de 2020, o número de criptomoedas existentes é superior a 6 mil, e está em constante crescimento. O bitcoin é a principal delas, sendo responsável por quase 60% da capitalização total de mercado. 

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São mais de 6 mil criptomoedas registradas, sendo o bitcoin a mais utilizada delas. Imagem: Igor Batrakov – Shutterstock

As transações são, geralmente, feitas via internet, mas existem casos de operações em tempo real por meio de satélites no espaço. Dessa forma, todos podem ter acesso gratuito à rede bitcoin, em qualquer lugar do mundo, mesmo que não tenham conexão com a rede mundial de computadores. 

Para os entendidos do assunto, isso não é nenhuma novidade. Mas, e se o tal satélite intermediário das transações não for “qualquer um”, e, sim, o nosso grande satélite natural, que está a 384.405 km de distância de nós? Sim, a Lua.

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Parece um pouco estranho e até difícil de acreditar, mas uma equipe composta por profissionais e entusiastas do ramo conseguiu esse feito: mandar Bitcoins para a Lua, utilizando o corpo celeste como “agente” de uma transação financeira. 

E o mais incrível disso tudo é que a transação inédita, ou seja, nunca antes realizada por ninguém no mundo, é fruto de esforços nacionais. Isso mesmo, o grupo responsável pela ação é todo formado por brasileiros. Os profissionais envolvidos são todos entusiastas do radioamadorismo, desenvolvedores de blockchain ou empresários do ramo de Tecnologia da Informação. 

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Marcio Gandra, desenvolvedor de blockchain, liderou a equipe, formada por Rafael Silveira Batschauer (desenvolvedor SAP), Paulo Bezerra (desenvolvedor de Sistemas de Segurança), André Alvarenga (P2P de Bitcoin) e Narcélio Filho (desenvolvedor de software). 

Marcio Gandra, desenvolvedor de blockchain, liderou a equipe de radioamadores responsáveis pelo envio de bitcoin à Lua. Imagem: Arquivo Pessoal

Sobre sua profissão, Gandra explica que o termo blockchain, literalmente, significa cadeia de blocos, ou seja, blocos de informação conectados entre si por uma lógica linear/temporal, além de criptografada. Nesses blocos são armazenados todos os tipos de informação: no caso das criptomoedas isso é um registro de todas as transações financeiras de uma rede. 

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Elon Musk anunciou que enviaria criptomoedas à Lua; brasileiros saíram na frente 

Em entrevista ao Olhar Digital, Gandra contou que a intenção era fazer com que Narcélio recebesse de Alvarenga R$50 em bitcoin, através de uma transação de multi-assinatura que fosse validada por Bezerra e Batschauer, sendo que eles estavam a cerca 800 km de distância um do outro. 

E, por quê? “A ideia surgiu do buzz causado por Elon Musk ao dizer que enviaria criptomoedas à Lua. Se o dado convertido em onda é a própria transação tocando o solo lunar, poderíamos nós mesmos realizar a façanha primeiro”, afirma o desenvolvedor.

“Meu envolvimento com o radioamadorismo já dura 20 anos, e, como no período do lockdown diversas preocupações quanto à preservação das liberdades individuais foram levantadas, o rádio seria uma das maiores e melhores alternativas em caso de privação de comunicação num possível cenário apocalíptico ou ditatorial”, acredita. 

Três meses de preparação 

Segundo Gandra, os preparativos duraram três meses. “Já o evento propriamente dito, entre testes e execução, durou de 24 a 29 de Abril”, explica. 

No dia 29, à noite, ele estava com Batschauer, que seria o primeiro signatário da operação, na varanda da sua casa, em Macacos (MG), cercado de seus equipamentos de rádio e uma antena direcional. Bezerra, o segundo signatário, estava em Marília (SP). Já Alvarenga, responsável pelo envio do dinheiro, e Narcélio, receptor do valor, estavam ambos em Belo Horizonte (MG). 

Naquela noite, acontecia o fenômeno da Lua Rosa, momento em que o satélite natural está mais próximo da Terra, ideal para experimentos desse tipo. 

Gandra conta que, como a Lua está em constante movimento, a operação exigiu muita cautela e calma. “A cada pequeno movimento que a Lua fazia, nós perdíamos a continuidade da transmissão e tínhamos que parar daquele ponto para recomeçar dali em diante. Foram várias pausas e recomeços até toda a transação ser concluída”. Além disso, o equipamento de baixa potência para o feito (1/5 do recomendado) exigiu muita paciência e persistência. “Ao recebermos a primeira confirmação em áudio do envio, a alegria foi enorme.” relata Gandra. 

Transação contou com tecnologia criada pelos militares ingleses nos anos 40 

Resumidamente, o procedimento consistiu no envio do valor por Alvarenga, na validação do processo por Batschauer e Bezerra e no recebimento por Narcélio. Pelo modo convencional, Batschauer recebeu e assinou a transação. Em seguida, ele enviou a informação a Bezerra, refletida no solo lunar.

O desenvolvedor de sistemas de segurança, então, com sua antena também direcionada à Lua e em constante contato com Gandra via WhatsApp para confirmar a recepção, ia recebendo e decodificando a mensagem, com a ajuda de um aplicativo de celular. 

O processo durou cerca de 25 minutos. Quando Bezerra estava finalmente de posse da mensagem completa, ele reconstruiu o arquivo da transação e subiu na sua carteira Electrum para fazer a segunda assinatura e enviar ao destinatário final. 

Para realizar o procedimento, eles usaram uma técnica criada pelos militares ingleses na década de 40, conhecida como comunicação Terra-Lua-Terra (E.M.E, na sigla em inglês). Por meio desse método, um transmissor propaga ondas de rádio para a Lua, que reflete elas de volta à Terra, podendo ser recebidas por qualquer pessoa. 

“Numa situação de E.M.E. profissional, seriam usados softwares de tracking para acompanhar o movimento da Lua em tempo real”, explica. “No nosso caso, esse acompanhamento foi ‘na unha’, como dizem”. 

Foi necessário converter os dados da transação, baixando o arquivo da carteira Electrum, onde as informações criptografadas estavam em hexadecimal (letras e números). Em seguida, esses dados foram convertidos para binário (0 e 1) e, por fim, transformados em código morse. Segundo Gandra, “o código morse foi utilizado por ser um modo de comunicação simples, de fácil compreensão, tendo conversores ou tabelas ao lado, e analógico”. 

Ele explica que, para enviar o arquivo PSBT – que significa transação de Bitcoin parcialmente assinada – em outro modo, seria recomendável usar o binário em protocolos próprios para o moon-bounce, ou seja, rádio digital. “Porém, toda infraestrutura era analógica, e queríamos fazer da forma mais rudimentar possível para trazer o experimento mais próximo da realidade das pessoas comuns”, esclarece. 

Rafael Silveira Batschauer, desenvolvedor SAP, acompanhou Gandra no processo e foi responsável pela primeira validação dos dados. Imagem: Arquivo Pessoal

Para Batschauer, a experiência tem um grande significado. “Nosso objetivo foi romper as barreiras de envio de bitcoin e trazer mais alternativas de liberdade e inclusão econômica. Vivemos num período no qual a esfera da censura parece se expandir cada vez mais. E essa experiência de envio de Bitcoins para a Lua se tornou bastante emblemática, pois confronta diretamente com qualquer tentativa de restrição, tanto do uso de criptomoedas quanto do uso da Internet”. 

“Não só fazer o Bitcoin bater na Lua”, afirma Gandra. “Foi um experimento para chamar atenção à ideia da radiotransmissão como mais uma alternativa. Queremos trazer de volta o interesse dos mais novos para o radioamadorismo e poder ampliar nossas opções de liberdade”, complementa. 

Batschauer e Gandra são fundadores do Gyme.Run, um aplicativo voltado para os corredores, que trabalha com cashback em criptomoedas por quilômetro corrido. Segundo eles, a necessidade desse app vem do fato de que, na maioria das vezes, o corredor pode estar em uma trilha e precisar enviar ou sacar moedas sem conexão com a Internet. “Tendo o rádio, isso seria facilmente resolvido.”, explica Batschauer.

Mensagem especial para Elon Musk 

Após constatado o sucesso do experimento, a equipe fez questão de deixar um recadinho em inglês para o excêntrico bilionário fundador da SpaceX: “Eu sou o primeiro bitcoin a chegar à Lua. Nós fizemos isso primeiro, Elon :)”. 

“Nós provamos que não é necessário nenhum foguete multi-bilionário para mandar criptomoeda para a Lua”, brinca o brasileiro. “A sensação de ter realizado esse feito é sem palavras, você se sente um “criptonauta”  fazendo aquilo que parecia possível apenas nos tweets da SpaceX e da Nasa”, diz Gandra. 

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Ele conta que o entusiasmo não é só pelo feito em si, mas pela liberdade e dezenas de possibilidades que isso pode trazer às pessoas. “Você pode estimular a inclusão financeira em lugares remotos sem internet, trazendo mais uma alternativa à resiliência da rede do Bitcoin, mais uma camada de proteção anti-censura e, o principal, podendo conectar a nova geração ao radioamadorismo, um setor de extrema importância na sociedade. As pessoas não têm noção do quanto nossa vida está diretamente ligada ao rádio no dia a dia, seja no uso de aparelhos de rádio, tv, celulares, ou até mesmo equipamentos hospitalares ativados e controlados por ondas de radio”, garante. 

Repercussão internacional e reconhecimento dos grandes 

Até mesmo o famoso Adam Back andou curtindo as publicações do grupo nas redes, prova de que o feito teve ampla repercussão entre os “bitcoiners”. 

Para sintonizar: o primeiro relato que descreve a implementação do Bitcoin foi apresentado em 2007, na lista de discussão The Cryptography Mailing, por um programador sob o pseudônimo Satoshi Nakamoto. Ninguém, até hoje, sabe quem realmente é Nakamoto. 

A podcaster especializada em Bitcoin, Anita Posch, falou sobre o feito brasileiro no Twitter. Seu tweet foi curtido pelo criptógrafo britânico Adam Back, um dos maiores nomes mundiais no ramo. Imagem: Arquivo Pessoal – Captura de tela

Há suspeitas de que Adam Back, criptógrafo britânico, CEO e cofundador da Blockstream, companhia de tecnologia focada em inovação em criptomoedas e contratos inteligentes, esteja por trás dessa identidade. De qualquer forma, Back é um dos maiores nomes mundiais no ramo, motivo pelo qual seu reconhecimento da ação dos nossos brasileiros é uma enorme conquista para a equipe. 

“Satoshi Nakamoto foi o criador do Bitcoin. Não se sabe exatamente quem ele foi ou é, se está vivo ou não, se é uma lenda urbana ou uma figura real escondida. O importante sobre Satoshi Nakamoto é ter sido o pai de uma revolução financeira que o Estado não consegue até hoje impedir o crescimento e a disseminação”, explica Gandra. “É uma ameaça viva ao “establishment” econômico que é baseado em débito e inflação. O Bitcoin é deflacionário, incorruptível e transparente – isso incomoda muito”. 

Ele diz que o feito também repercutiu muito nesse último fim de semana, durante um evento mundial de Bitcoin em Miami, recebendo cobertura de personalidades como Anita Posch, Jameson Lopp e Marty Bent, grandes influencers mundiais sobre o tema. “A transação entrou  para os registros do anuário do Bitcoin, uma espécie de arquivo com os milestones [marco histórico, em tradução livre] mais importantes”, conta Gandra, satisfeito. 

Marty Bent, editor-chefe do Marty’s Martent, um boletim diário sobre Bitcoin, também repercutiu o evento de Gandra e sua equipe. Imagem: Arquivo pessoal – Captura de tela

E não é só brasileiro que gosta de um bom meme não. “A comunidade internacional de Bitcoin fez um vídeo me colocando ao lado do Michael Saylor (que rebateu Elon Musk de forma maestral sobre o Bitcoin), e a moeda chegando à Lua por ondas de rádio”. Confira a brincadeira abaixo:

Próxima missão será transmitida ao vivo 

A próxima missão da equipe é utilizar os transceptores da ISS (sigla em inglês para Estação Espacial Internacional) para emitir um Invoice (fatura) da Lightning Network (rede alternativa do Bitcoin para pagamentos instantâneos ) e replicá-lo de volta à Terra após o pagamento.

Gandra explica que a ISS tem um receptor e um transmissor em várias bandas de rádio. “Nós utilizaremos os transmissores VHF e UHF. Vários radioamadores fazem contato com a ISS, alguns até com a própria tripulação da estação. No YouTube, existe um material bem rico a esse respeito, basta procurar por radioamadorismo ISS. Queremos usar esse meio para poder fazer uma transação interestadual, usando esses rádios como refletores da ação”, afirma. 

Essa ação poderá ser acompanhada por qualquer radioamador que modular na frequência específica. 

“É importante frisar que o envio de uma transação por meio de ondas de radio não configura o uso pecuniário do radio, uma vez que não está sendo comercializado nenhum produto ou serviço através das ondas, e o que está sendo enviado não é um valor em si propriamente, mas um arquivo digital contendo textos sobre a transação onde só se torna valor depois de assinado pela outra parte e publicada na blockchain para validação dos mineradores”  destaca.

“É como se aquele arquivo contivesse a informação de que X está querendo transferir para Y um valor Z, o Bitcoin não trafega por si mesmo, o que ocorre é uma mudança de endereço daquele valor dentro da blockchain, de onde ele nunca saiu. Portanto quando falamos que o Bitcoin tocou na Lua, a metáfora diz exatamente isso, os dados de uma transação, não a criptomoeda em si”, completa.

Gandra conta que criou um projeto sem fins lucrativos chamado Satoshi.Radio.Br, que pretende funcionar como uma rede interconectada de “listeners” e “broadcasters” de transações, por meio de um protocolo novo de rádio digital, contendo metadados de transações. “Concluído o desenvolvimento do protocolo, o mesmo será apresentado às autoridades competentes no intuito de promover sua adoção e regulação”.

Ele explica que o objetivo maior é atender regiões desamparadas de acesso à Internet ou telecomunicações, “promovendo a inclusão financeira de grupos desamparados”. Além disso, segundo Gandra, “o projeto contempla um canal exclusivo para a educação no rádio com dicas, informações e tudo que as pessoas precisam aprender para operar o rádio e entender sobre criptomoedas.” 

Radioamador propõe audiência pública para debater evento de transferência de bitcoin para a Lua

Após toda a repercussão envolvendo o experimento, o Olhar Digital voltou a conversar com ele para esclarecer as polêmicas levantadas. Entre os vários comentários feitos na matéria do último dia 8, além daqueles postados no Facebook e no Instagram, alguns colocaram em dúvida a ocorrência do evento, pontuando detalhes que poderiam desmentir os fatos.

“Eu li uma crítica de um radioamador de categoria PY, que é a mais alta do radioamadorismo, e, entre outras ofensas, algumas injúrias, calúnias e difamação, ele convocou o grupo dele para causar um flood de mensagens negativas em algumas matérias, dizendo que aquilo não tinha ocorrido e que as pessoas não tinham licenças”, afirma Gandra. “O que fica até ambíguo, porque se o evento não ocorreu, então não tem nada ilegal. E se o evento ocorreu, e de fato ocorreu, nós temos a parte legal também amparada”, garante. 

Ele explica que o fato de não divulgar seu prefixo PU pode ser atribuído a uma questão de segurança. “Divulgamos apenas o PX. Porque, a partir do momento que você tem aquele indicativo ali, o prefixo PU, as pessoas consultam seu nome completo, seus dados pessoais, e nós vivemos em um mundo onde esse tipo de exposição não é interessante. Você tem que se precaver realmente”. 

Gandra compara a incredulidade diante do feito à negação, até os dias de hoje, do homem ter pisado na Lua. “Tem gente, até hoje, que não acredita que o homem pisou na Lua. E não é um número pequeno de pessoas”. E propõe um debate público entre as partes interessadas. “Tanto a comunidade do radioamadorismo quanto a comunidade do bitcoin merecem esses esclarecimentos, e eu convido todos a se juntarem nisso. Reguladores, radioamadores, entidades governamentais. Vamos montar uma audiência pública e vamos conversar sobre esse protocolo, sobre essa ideia?”.

Márcio Gandra compara a incredulidade dos críticos em relação ao seu experimento com o negacionismo até os dias de hoje em relação ao homem ter pisado na Lua.
Imagem: Castleski – Shutterstock

Ele diz estranhar o fato de as pessoas que o atacam preferirem fazer isso por meio de comentários na internet, e não o procurando diretamente. “Espero a contribuição de vocês. Quem quiser conversar comigo, os emails estavam lá desde o início. Nenhum de vocês mandou um e-mail sequer. Vieram com uma gana de ataque, de ofensas, que está expondo vocês mesmos. Essa matéria está rodando o Brasil, está rodando o mundo. O que aconteceu, ninguém vai tirar da gente”, afirma.

Limitações técnicas não implicam necessariamente em falta de ética

“Pelas fotos utilizadas na matéria, os equipamentos citados não teriam condições técnicas o suficiente para se praticar EME”, afirma o radioamador Vinícius Lenci, em um dos comentários críticos a Gandra. Josias Camargo, autor de outro comentário, reforça: “Impossível fazer isso que dizem ter feito com os equipamentos mostrados nas fotos”.

Captura de Tela – Olhar Digital

Já Luciano Silva Ferreira vai mais longe: “Sou radioamador prefixado PU2LUC e, com toda certeza, afirmo ser falso [o que diz] essa matéria. E cabe a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) investigar esses clandestinos usando espectro de rádio amador sem devida licença”.

Gandra justifica os pontos levantados. “Bom, em primeiro lugar, o experimento foi motivo de alegria intensa pra gente. Foram três meses de tentativa, [entre] erros, trocas de equipamentos, tentativas em diversas frequências, equipamentos, aparelhos. Até que, finalmente, conseguimos um sinal utilizando uma antena mais simples do que recomendável pelos guias de EME do YouTube, onde muitos falavam da necessidade de utilizar somente o modo digital, em micro-ondas, com antenas parabólicas bem grandes. Sim, isto é fato. O EME requer muita minúcia e muita potência de equipamento para romper essas barreiras e, principalmente, uma captação excelente, porque os sinais são bem fracos. Para se ter uma ideia, em torno de 5% a 6% do sinal emitido volta para a Terra. Se você manda uma potência X, menos de 10% dessa potência vai retornar para a antena. Então, na recepção, você tem que ter um setup muito mais sensível, com amplificadores e redutores de ruído, em relação à emissão, onde você vai precisar de mais direcionamento e potência. Lógico que o ganho em decibéis da antena também contribui e a banda e frequência que a pessoa está fazendo também”.

Sobre sua licença para operar como radioamador, Gandra se defende das acusações recebidas, afirmando, inclusive, que alguns comentários são passíveis de medidas jurídicas. “Vendo alguns comentários de radioamadores preocupados com essa questão legal, eu sou radioamador classe C, aprovado na prova da Anatel em janeiro deste ano, então, quanto a ilegalidade, não tinha nada ilegal. Eu poderia usar várias faixas, várias bandas, várias frequências permitidas na classe C. Tive apoio do LABRE-MG, Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão de Minas Gerais, para a emissão do meu indicativo também. Filiei-me ao LABRE recentemente e conheço vários radioamadores mais antigos, gente com 30 a 40 anos de atividade na área. Eles me passaram muitas orientações, e eu devo muito a eles por tudo o que me ensinaram”.

Em relação à transferência de bitcoins via Lua, ele volta a reforçar, conforme explicado na matéria anterior, que não é o bitcoin em si que reflete em solo lunar. “Falar que o bitcoin bateu na Lua é uma metáfora, é óbvio. Porque o bitcoin não sai da blockchain, da sua carteira blockchain, em hipótese alguma. Quando você faz uma transação de bitcoin, você não está movendo aquele bitcoin fisicamente de uma carteira para outra. Você está realocando os registros”, esclarece. “A blockchain é um livro contábil público, onde você está simplesmente movendo valores ali dentro, de uma carteira para outra. Então, quando você fala ‘o Bitcoin tocou na Lua’, o que, na verdade, refletiu em solo lunar foi uma onda que transferiu um arquivo PSBT, que é um arquivo de uma transação parcialmente assinada”. 

Segundo Gandra, isso significa mandar um valor de A para B, em que o emitente monta um arquivo contendo uma transação e cria dependências para essa transação ocorrer. “Então, por exemplo, eu vou mandar de X para Y, onde Z e A vão ter que assinar essa transação para validá-la. Vamos supor, numa empresa, eu tenho sócios, e eu preciso emitir um cheque. Eu vou ter que ter a assinatura dos outros dois sócios. Então, funciona de forma análoga a isso”.

Não foi enviado nenhum arquivo encriptado

A equipe também foi acusada de agir de forma ilegal ao, supostamente, fazer o envio de arquivo encriptado via rádio. Gandra garante que isso não aconteceu. “O que foi refletido em solo lunar foi o arquivo PSBT convertido em hexadecimal e depois transformado em código morse para facilitar a audição e a escuta do outro lado. Se ele tivesse sido transmitido em digital em hexa, a pessoa escutaria ruídos, até chiados similares ao modem que a gente estava acostumado a ouvir no início da internet. Esse arquivo PSBT, ele não é um arquivo encriptado, então, a alegação de alguns, de que não pode mandar arquivo encriptado por ondas de rádio, por regulação da Anatel, cai por terra, porque o protocolo do bitcoin é um protocolo público. Qualquer pessoa com esse protocolo em mãos consegue fazer o caminho de volta e ver no arquivo ali um texto de uma transação escrita. Então, não foi enviado um valor, não foi enviado o bitcoin para solo lunar, foi enviada uma referência a uma transação, em formato texto não codificado, de forma que ele só vira uma transação financeira no momento em que recebe  segunda assinatura na outra ponta”.

Gandra afirma que se surpreendeu com a forma com que ele e sua equipe foram atacados. “Eu não imaginei que aquilo viraria um enxame de acusações, ofensas e ataques do ponto de vista legal da operação. Do ponto de vista técnico da operação, nós colocamos diversas referências na nossa página Satoshi.Radio.Br, com potências e equipamentos até inferiores aos que a gente utilizou, então, se por acaso algum PY mais famoso no meio de EME disse que precisou do equipamento X ou Y, eu respeito totalmente e acredito que, sim, é um processo complexo. Nós vivemos isso na pele lá. Cheguei a oferecer meu equipamento para um desses poder testar, fazer o caminho de volta, e ele se recusou. Disse que é um experimento muito difícil. Tivemos uma conversa até bastante amigável, no sentido de respeito mútuo”.

Feito merece reconhecimento e não pode ser apagado, diz Gandra

De acordo com Márcio Gandra, o feito representa uma grande contribuição para o radioamadorismo, e, do radioamadorismo para a sociedade. “Eu acho que o feito não pode ser apagado por questões supostamente éticas ou da legislação, porque a gente está bloqueando a inovação em vários sentidos, impedindo pessoas de realizarem feitos que vão contribuir para a humanidade”

Ele propõe uma reflexão aos questionadores. “Eu pergunto a todos os radioamadores: qual foi a última contribuição que o radioamadorismo deu para o mundo, para a sociedade e para a humanidade depois da segunda guerra mundial? O que o radioamadorismo ou os radioamadores fizeram para a sociedade nos últimos 50 ou 60 anos? Uma invenção ou outra de um protocolo, rodadas onde se conversa sobre o clima, o tempo. Envios de mensagens em modo digital à distância, competindo com quem manda e escuta mais longe. Colocando portadora em conversa dos outros porque tem mais potência que o outro. É essa a contribuição para a sociedade que o radioamadorismo levanta a bandeira e diz defender os interesses do rádio e da população? Eu acho que devemos pôr a mão na consciência e pensar muito nisso na hora de atacar uma pessoa, acusar uma pessoa e imputar crime a uma pessoa. Porque a gente vive num mundo que chegou aonde chegou por causa da inovação, por causa de pessoas que tiveram a coragem e, muitas vezes, nenhum ou pouco equipamento para poder romper essas barreiras e realizar aquilo que elas queriam”.

Para Gandra, existem questões muito mais importantes a serem combatidas dentro do radioamadorismo. “Por que vocês não têm esse vigor com que vieram para cima da gente com os traficantes que utilizam rádio, montam e mantêm estações dentro das favelas que dão até inveja às nossas? O poder público não consegue fazer nada, vocês, muito menos. Por que vocês não induzem e não forçam a Receita Federal a proibir a quantidade de rádios chineses não homologados que despejam em nosso país o dia inteiro? Milhões de rádios chegam ao país sem homologação. Esses rádios simples, de R$100 a R$150, muitos com potência de 10 a 20 watts, sem filtro, sem proteção nenhuma, causando interferência em diversos equipamentos, diversos dispositivos. Cadê o rigor contra isso? Cadê a força de vocês contra isso?”.

Ele questiona os críticos quanto à negligência em relação à atuação de frentes criminosas no rádio. “Cadê esse ímpeto de entrar nas postagens e nas matérias e sair xingando, falando em Polícia Federal, em Anatel, crime, entre outras coisas, quando veem uma milícia ou um grupo de tráfico sequestrando uma antena de internet para cobrar serviço da população em volta?”.

Gandra atribui essas atitudes a covardia. “Por que vão focar no pequeno, que está inovando? Porque não têm coragem. [Contra os grandes] não têm força. Não têm aparato suficiente. As coisas estão muito bem aparelhadas. Mas, com o fraco, vêm com esse vigor, quando ele quer inovar. É muita covardia. Vocês foram covardes. Os comentários foram tristes, deploráveis e alguns passíveis até de providências jurídicas, por questão de calúnia e difamação. Por que ninguém entrou em contato por email, formalmente, solicitando de forma educada? Algumas pessoas chegaram até a ser banidas do Instagram. Aquilo não é um comportamento ético, do radioamador que se diz ético, ao contestar um colega, fazer daquela forma, jogando pedra. Então, houve erros de várias pessoas nesses apontamentos, o que acabou tirando um pouco o brilho do feito”, lamenta.

Grupo foi acusado de fazer uso pecuniário ao transferir bitcoin via rádio

De acordo com a Anatel, é proibido o uso comercial ou pecuniário de rádio. Gandra e sua equipe foram acusados de fazer essa prática em seu experimento. 

“A Anatel está certíssima em proibir o uso pecuniário do rádio, ou seja, o uso com o intuito financeiro, no sentido de utilizar o rádio para obter vantagem financeira”, diz Gandra. “Sabe o que é o uso pecuniário do rádio que a Anatel quer evitar? Ela quer evitar que as pessoas comercializem produtos e serviços. Que vocês entrem em uma banda para fazer uma rodada com radioamadores, que é uma conversa agradável, e tem uma pessoa lá vendendo o serviço dela. Falando ‘olha, eu sou médico, quer fazer uma consulta?’, por exemplo. Imagina a quantidade de empresas e agências de propaganda que não usariam o rádio para ficar mandando jingles, mensagens, gente aumentando potência para passar por cima dos outros. Seria um inferno realmente”. 

Ele justifica que não foi o que sua equipe fez. “É muito diferente de utilizar o rádio para transmitir uma informação em que um processo financeiro está ocorrendo ali. Isso é muito diferente. E não tem nem como negar, porque, o NFC é isso. O que se troca ali são ondas, frequências de rádio que foram usadas para trafegar informação”.

Gandra refere-se aos cartões de tecnologia de aproximação, a chamada Near Field Communication (NFC), que significa comunicação por campo de proximidade, em tradução livre. “Os cartões NFC são o quê? É algodão que trafega ali? É água? São ondas de rádio. Quando você encosta o seu cartão em uma máquina de pagamento, e ela executa uma transação financeira, o que ocorre ali é exatamente o que a gente fez. Ali entrou um QR Code, um protocolo, não foi dinheiro verdadeiro ali. Foi um protocolo que significou um pagamento”. 

Projeto pretende revolucionar as transações financeiras no Brasil

Em relação ao programa Satoshi.Radio.Br, Gandra tem grandes expectativas. “Esse protocolo que a gente pretende criar ainda está em fase inicial. É um protocolo para transações financeiras, para fazer compactação, para ficar mais simples, em pacotes curtos. É um trabalho colaborativo, que não tem fins lucrativos. Em caso de sucesso, esse protocolo será apresentado às autoridades e órgãos de radioamadorismo, até porque precisa testar, precisa validar e entrar em aprovação até por organismos internacionais do radioamadorismo”.

Segundo Gandra, no Brasil, a cada três pessoas, uma é “desbancalizada”. O que quer dizer que não movimentam uma conta bancária há mais de seis meses. “Esse é um número muito alto, são 30% da população. Se você soma esses desbancalizados àqueles que moram em regiões isoladas, que muitas vezes nem internet têm, você tem o rádio como um meio de inclusão financeira para essas pessoas”, acredita o empreendedor. 

“Imagina, por exemplo, você fazer um PIX pelo rádio. Seria totalmente possível com essa tecnologia”, afirma. 

Ele acredita que isso interessaria até ao próprio Banco Central. E lamenta a opinião dos críticos, que não enxergam o potencial revolucionário do feito. “Imagina a possibilidade que isso abre. Ninguém viu isso também. Os críticos não veem isso porque a cegueira e a conexão com o ódio são tão grandes que consomem a pessoa. Por exemplo, um senhor, que foi bloqueado no Instagram. Ele estava juntando elementos para poder criar uma narrativa na qual nos colocou de uma forma totalmente criminosa, que tirou totalmente o brilho daquilo”. 

Gandra pede que as pessoas se conscientizem. “Coloquem a mão na consciência, quem criticou. Faz essa análise que eu sugeri. Qual foi sua contribuição para o radioamadorismo nos últimos anos? E, não só para o radioamadorismo, mas para a sociedade. O que o rádio tem feito?”

Ele também critica aqueles que o atacam, questionando qual o uso que essas pessoas fazem do rádio. “Quantas pessoas são PY e nunca fizeram nada a não ser montar uma antena? Quantos estão aí gastando tempo no rádio para trocar indicativos? As rodadas de radioamador acabaram. As que sobram, ficam ali com conversas que não acrescentam em nada. Um bate-papo. Lógico que cada um usa o rádio da forma que quiser, não estou condenando isso. Se o cara quiser ficar trocando cartão postal, que faça, é um hobby, tem que ter prazer nisso. Eu sou um defensor da liberdade em todas as instâncias. Quem sou eu para falar o que vocês vão fazer ou não no rádio? Mas, a questão é a responsabilidade social, o que estamos fazendo para a sociedade, quais são as soluções que a gente está propondo”.

Gandra destaca a contribuição significativa do bitcoin, e das criptomoedas em geral, para a sociedade, além da força que a comunidade de bitcoiners tem. “Esse experimento diz tudo sobre isso. bitcoin fala sobre liberdade. Não é coerção. Se vocês conhecerem a comunidade bitcoin, vocês vão se assustar. Ela revolucionou o mundo. Ela tem uma força maior do que governo e banco juntos. Vocês juntam grupos de amadores revoltados com o feito, questionando uma série de coisas, que estão se considerando fortes, ou maiores do que isso que está acontecendo”. 

Ele faz um alerta quase premonitório. “Isso vai engolir vocês. Vocês vão usar suas antenas para mandar essas transações no futuro. Seus filhos vão fazer isso”, e pede mais união entre a classe. “Não bloqueie isso não, gente. Abre a cabeça. E não desafia a comunidade bitcoin. Tratem com bastante respeito, da forma como a gente trata vocês também. Muitos vão virar radioamadores depois desse feito. nós vamos abrir um canal de instruções, vamos catequizar esse pessoal no radioamadorismo. O poder dessa comunidade é enorme. Se cada bitcoiner começar a comprar rádio (e está entrando muito rádio clandestino no país), acabou. Vai virar um instrumento de liberdade e libertário, que órgão nenhum vai conseguir segurar, como banco e governo nenhum conseguiu segurar o Bitcoin. É isso que vocês querem? Vamos unir forças. Não vamos segregar forças”. 

LABRE contesta evento e pede apuração da Anatel

Tanto a Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (LABRE) de Minas Gerais quanto a entidade nacional emitiram notas oficiais em suas páginas na internet em que contestam o feito. A LABRE enviou ofício à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) solicitando a apuração do caso.

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