Spoiler: morrer no espaço será bem diferente de morrer na Terra

Com o aumento de viagens comerciais à órbita e conversas sobre colonização planetária, como ficam os ritos funerários na fronteira final?
Por Rafael Arbulu, editado por André Lucena 18/10/2021 20h16, atualizada em 19/10/2021 20h21
shutterstock_1637369191
Imagem: Frame Stock Footage/Shutterstock
Compartilhe esta matéria
Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Com empresas oferecendo um volume cada vez maior de viagens comerciais à órbita e diversas agências espaciais estabelecendo panoramas de colonização planetária, muito se pensa na vida fora do nosso planetinha azul – mas, e quanto aos processos pelos quais nossos corpos passam após nossa morte? Morrer no espaço será diferente de morrer na Terra?

Spoiler antecipado: sim, as coisas iriam mudar, mas provavelmente não do jeito que você pensa.

Leia também

Imagem mostra um astronauta com cabeça de caveira, morto no espaço ao invés da Terra
Parecido com isso, mas sem foco nos ossos e menos fofo (Imagem: Sudowoodo/Shutterstock)

No momento da morte, o corpo humano passa por um processo bastante meticuloso – um que nos vê “retornando à natureza” em um processo cíclico onde somos aproveitados pela continuidade da vida. Explicando esse processo em fase, temos:

  • Livor mortis: o sangue para de correr e começa a se acumular em resposta à ação da gravidade
  • Algor mortis: o resfriamento permanente do corpo
  • Rigor mortis: músculos “endurecem”, como resultado do acúmulo não controlado de cálcio nas fibras

A partir daí, as enzimas desencadearão reações químicas que vão quebrar as paredes celulares – incluindo aquelas do intestino. Essas bactérias, normalmente presas na flora intestinal, vão se espalhar por todo o corpo, devorando os tecidos macios – um processo conhecido como “putrefação” – e liberando gases, deixando você inchado. É aqui que cadáveres começam a cheirar mal e o rigor mortis é desfeito, já que não há mais musculatura para endurecer.

Depois disso, você fica, literalmente, “só o puro osso”, como diz a expressão, já que todos os tecidos macios são destruídos e o conjunto esquelético, mais denso e com integridade naturalmente rígida, pode durar milhões de anos.

Esses são os processos internos, que podem ser acelerados ou até mesmo barrados dependendo de outros fatores externos: temperatura, onde o corpo está depositado, se ele foi depositado em substâncias de preservação (como algumas universidades costumam fazer para preservação), etc… Tudo isso traz um peso que pode influenciar no progresso dessas reações.

Imagem de um astronauta, com o rosto de uma caveira
Na verdade, não seria muito perto disso: no espaço, diversos fatores podem fazer com que os ossos se decomponham antes dos tecidos orgânicos (Imagem: Nedelcu Paul Petru/Shutterstock)

Mas e no espaço? Bom, a resposta mais óbvia é a de que “é difícil dizer”.

Lembra-se, ali em cima, de que o livor mortis ocorre por causa da gravidade? Pois é, no espaço, ela não é muito presente. Então é certo que essa fase primária da decomposição de corpos seria afetada. O sangue não começaria a acumular.

Já no que tange ao rigor mortis, ele ainda aconteceria, mas de uma forma bem mais lenta. Basicamente, o fim das funções do corpo resultaria no acúmulo de cálcio, que nos levaria à rigidez muscular e à destruição das paredes do intestino. As bactérias, por outro lado, teriam uma ação mais lenta, tendo em vista que elas necessitam de oxigênio para funcionar – outra coisa bastante ausente no espaço. Mesmo trajes especiais (caso você venha a morrer dentro de um) trazem um suprimento limitado dele.

Ou seja, o mau cheiro pode demorar um pouco mais para começar emanar.

Mas e quanto à morte em outros planetas ou corpos celestes? Bom, aí a coisa muda de figura: e por “mudar de figura”, entenda como “fica ainda mais imprevisível”, uma vez que cada planeta tem a sua configuração específica.

Pegando a nossa Lua como exemplo: ela não tem atmosfera própria, então não há uma defesa natural contra os raios solares da mesma forma que há na Terra. Isso faz com que nosso satélite natural oscile entre temperaturas máximas de 120º C (Celsius), e mínimas de -170º C. De um lado, seu corpo teria mudanças induzidas por calor extremo. Por outro, danos causados pelo frio intenso seriam mais evidentes.

Outro cenário possível: na Terra, quando estamos vivos, os ossos são compostos de elementos orgânicos e inorgânicos, vide a forma como o esqueleto interage com músculos, por exemplo. Quando morremos, os tecidos se vão e os ossos permanecem. Entretanto, substâncias ácidas podem alterar esse ritmo, deixando ossos mais flexíveis ou mesmo destruindo-os por completo.

Sabe onde se vê muito ácido? Vênus. Segundo o Guinness Book, a chuva ácida “mais ácida” está lá, resultante da condensação e precipitação de soluções sulfúricas (derivadas de enxofre) ao invés de água. Há quem pense que a ordem das coisas seria invertida neste caso, com as chuvas de Vênus destruindo antes os ossos – e depois os tecidos orgânicos.

Há também que se considerar que regiões áridas/desérticas tendem a conservar tecidos orgânicos macios, promovendo a erosão óssea primeiro. E sabe onde há um imenso deserto?

Em Marte. O planeta, que já teve muita água, hoje está mais para o banco de areia de uma praia, só que sem a praia. E considerando que a atmosfera de Marte é tão fina que mal protege o planeta da radiação e dos ventos solares, o que pode muito bem acontecer é o seu tecido orgânico “secar”, as bactérias intestinais serem incapacitadas de agir neles, e os ossos passarem por erosão antes do restante.

Diante dessas possibilidades, é provável que as maiores mudanças sejam vistas nos ritos funerários: ao morrer na Terra, o enterro ou cremação são as duas vias disponíveis. No espaço, porém, as demandas por energia terão que ser direcionadas a outras práticas – cremar alguém seria praticamente inviável devido à ausência de oxigênio. Enterrar alguém não faria muito pela decomposição do corpo por um longo tempo.

De qualquer forma, é melhor pensarmos em algo logo: segundo estimativas da Nasa, podemos chegar a Marte a partir de 2030, e até meados de 2250, estaremos voando por Alfa Centauri e Beta centauri, as duas estrelas mais brilhantes de Proxima Centauri, uma de nossas constelações vizinhas.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Jornalista formado pela Universidade Paulista, Rafael é especializado em tecnologia, cultura pop, além de cobrir a editoria de Ciências e Espaço no Olhar Digital. Em experiências passadas, começou como repórter e editor de games em diversas publicações do meio, e também já cobriu agenda de cidades, cotidiano e esportes.

André Lucena
Ex-editor(a)

Pai de três filhos, André Lucena é o Editor-Chefe do Olhar Digital. Formado em Jornalismo e Pós-Graduado em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte, ele adora jogar futebol nas horas vagas.