Em setembro do ano passado, o Olhar Digital noticiou que um grupo de cientistas descobriu evidências da disponibilidade de fósforo no oceano existente sob a crosta gelada da lua Encélado, de Saturno. 

A descoberta acendeu os ânimos dos pesquisadores porque esse é um dos seis elementos fundamentais para a sustentação da vida como conhecemos (os demais são carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio e enxofre).

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Entenda a importância do fósforo: Ele se junta com açúcares para fornecer uma “espinha dorsal” ao DNA, unindo as quatro nucleobases à dupla hélice. O elemento também é usado em membranas celulares e ossos, bem como em uma molécula chamada trifosfato de adenosina, que carrega energia metabólica ao redor do corpo.

Agora, um novo estudo, publicado nesta quarta-feira (14) na revista Nature, apresenta novas análises que confirmam o resultado da pesquisa anterior, revelando ainda estimativas de que as concentrações de fósforo em Encélado são pelo menos 1000 vezes maiores do que as mais abundantes concentrações conhecidas nos oceanos da Terra. 

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O fósforo e é um dos seis elementos fundamentais para a sustentação da vida como conhecemos. Crédito: Magnetix – Shutterstock

Encélado é um dos mais principais alvos na busca por vida alienígena 

Isso mostra que o sexto maior entre os 145 satélites naturais de Saturno conhecidos até agora, que já é um dos candidatos mais fortes na busca por vida alienígena, agora satisfaz “o mais rigoroso requisito de habitabilidade”, segundo os autores do novo estudo.

“Não encontramos vida ou mesmo algo que foi criado pela vida”, disse Frank Postberg, professor de ciências planetárias da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, que liderou a pesquisa, em entrevista ao site Space.com. “Acabamos de encontrar indícios de algo que sugere que a vida pode se formar muito bem por lá. É apenas um indicador de habitabilidade, mas muito bom e importante”.

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Um dos coautores do artigo publicado esta semana é Christopher Glein, cientista planetário e geoquímico do Instituto de Pesquisa do Sudoeste (SwRI), em San Antonio, no estado norte-americano do Texas. Ele, que também participou da pesquisa divulgada em setembro, revela que essas descobertas contradizem estudos anteriores, que indicavam que o fósforo seria raro em Encélado.

Segundo o pesquisador, todas as abordagens se baseiam em dados da sonda Cassini, da NASA, em operação até 2017, que detectou enormes gêiseres de água (uma espécie de fonte termal que, periodicamente, tem erupções) que pulverizam através de “listras de tigre”, aberturas profundas na superfície gelada da lua. 

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Representação artística de um sobrevoo da sonda Cassini por Encélado, satélite natural de Saturno, mostra os jatos de pluma expelidos pela lua. Crédito: NASA/JPL-Caltech

Glein explica que as pesquisas antigas investigaram esses gêiseres analisando os componentes químicos identificados pela espaçonave, conseguindo identificar moléculas orgânicas como metano, amônia, carbono, nitrogênio, oxigênio e possivelmente sulfeto de hidrogênio – mas, nada de fósforo.

Em 2018, por exemplo, um estudo feito pelos renomados pesquisadores Manasvi Lingam e Avi Loeb, de Harvard, concluiu que o fósforo seria escasso no oceano de Encélado porque se dissolveria lentamente nas rochas no fundo do mar. No nosso planeta, o fósforo é disponibilizado através da resistência ao tempo da terra seca, que Encélado não tem.

No entanto, segundo Glein, eles usaram modelos geoquímicos ultrapassados do fundo rochoso do oceano de Encélado. Já as novas modelagens são baseadas nos dados mais recentes disponíveis, permitindo simular como fosfatos, minerais ricos em fósforo, se dissolvem no oceano a partir do núcleo rochoso daquela lua gelada – e foi isso que a pesquisa divulgada em setembro fez.

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Como o novo estudo confirmou o fósforo na lua de Saturno

Segundo os cientistas, os poderosos jatos de água de Encélado provavelmente são acionados quando a gravidade de Saturno pressiona a lua, aquecendo seu interior rochoso. A água pressurizada, então, se contorce através de rachaduras na crosta de gelo, explodindo no espaço a velocidades de 360 litros por segundo, o que é rápido o suficiente para encher uma piscina olímpica em apenas algumas horas. 

Nesta imagem, o Telescópio Espacial James Webb, da NASA, mostra uma pluma de vapor de água jorrando do polo sul da lua Encélado, de Saturno, estendendo-se 20 vezes o tamanho da própria lua. No detalhe, uma captura da sonda Cassini, enfatizando como Encélado é pequena em comparação com o jato que ela mesma ejetou. Créditos: NASA, ESA, CSA, STScI e G. Villanueva (Goddard Space Flight Center da NASA). Processamento de Imagens: A. Pagan (STScI).

Enquanto a maior quantidade do material da pluma cai como neve na superfície da lua, parte dele também alimenta o anel E de Saturno, um tênue halo de minúsculas partículas de gelo. Foram essas partículas que atingiram os instrumentos da Cassini durante seus sobrevoos.

Aprimorando os resultados da pesquisa divulgada no ano passado, baseada em modelos computacionais, a equipe liderada por Postberg conseguiu, pela primeira vez, detectar o fósforo diretamente no material dos gêiseres de Encélado.

“A única coisa que não é tão direta é que os sais de fosfato foram encontrados no anel E de Saturno, não na pluma em si”, disse Glein. “Mas, sabemos que a pluma de Encélado alimenta o anel E. Não há mistério nisso”.

Isso foi possível graças a um trabalho meticuloso que examinou medições de mais de 300 grãos de gelo amostrados pela sonda Cassini e os dados reproduzidos em laboratório para fins de validação. Com isso, a equipe detectou nove grãos que tinham uma impressão digital clara de ortofosfato, que é a única forma de fósforo que os organismos vivos podem absorver e é usado por eles para o crescimento.

“Foi um momento tentador quando percebi pela primeira vez que esses espectros muito provavelmente mostram fosfatos”, disse Postberg. 

Afinal, existe ou não vida na lua Encélado?

Segundo ele, essa nem é a grande questão. “Ninguém ficaria surpreso se houvesse fosfato na crosta de Encélado. Há fosfatos até em cometas. O ponto é que, em Encélado, ele é dissolvido no oceano e, com isso, está prontamente disponível para a formação potencial de vida”.

Postberg explica que essa descoberta tem implicações ainda mais abrangentes do que a lua Encélado em si. O fósforo é bastante raro em águas naturais, pois reage prontamente com átomos carregados positivamente como o cálcio para formar fosfato de cálcio, que trava o fósforo e, portanto, o torna inutilizável para formas de vida. “Mas, Encélado é capaz de hospedar quantidades tão altas de fósforo dissolvido porque tem o que chamamos de oceano de refrigeração”.

Os oceanos (ou lagos) de refrigeração são ricos em carbonatos – minerais que contêm dióxido de carbono e se formam facilmente na água. Os carbonatos se ligam a outros elementos, como o cálcio, deixando o fósforo disponível para uso de vida potencial. 

Logo, o que se conclui sobre a possibilidade de Encélado abrigar a vida é: “É habitável. É claramente difícil argumentar contra isso. Só não sabemos se é habitado”, disse Postberg.

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