Em uma rara virada no mercado internacional de lançamentos espaciais, a SpaceX conseguiu recentemente “roubar” do consórcio europeu Arianespace um contrato para lançar um satélite italiano de observação da Terra. O motivo, segundo a Agência Espacial Italiana, foram as falhas em duas recentes missões do foguete Vega (VV15 e VV17), que seria usado no lançamento, além da pandemia de Covid, que causou atrasos no cronograma e fez com que não houvesse espaço na “agenda” da Arianespace.

Enquanto os foguetes da SpaceX passaram a dominar o mercado mundial de lançamentos espaciais na última década, a Arianespace foi se tornando cada vez mais dependente de forças políticas para garantir sua sobrevivência. Nos últimos cinco anos ou mais, o consórcio e a Agência Espacial Europeia (ESA) têm buscado cada vez mais acordos políticos e legislação que obriguem os países membros da União Europeia (UE) a lançar cargas úteis apenas nos foguetes Ariane 5, Ariane 6 e Vega, se possível.

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Foguete Vega-C, da Arianespace, apresentou duas falhas consecutivas em menos de um ano. Imagem: Arianespace

Exceto por alguns lentos programas de desenvolvimento de tecnologia que ainda não deram frutos, a empresa – fortemente subsidiada pela UE – falhou quase completamente em encarar a ameaça representada pela SpaceX, não priorizando o desenvolvimento de foguetes que possam realmente competir com o Falcon 9 e o Falcon Heavy em custo, desempenho e disponibilidade.

No entanto, no mês passado, a Agência Espacial Italiana (ASI) confirmou rumores de que estaria transferindo o lançamento de seu satélite de observação da Terra COSMO SkyMed CSG-2 de um foguete Arianespace para o Falcon 9 da SpaceX.

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Primeiro SkyMed CSG foi lançado em um foguete Arianespace Soyuz

Pesando cerca de 2,2 toneladas, o COSMO SkyMed CSG-2 é o segundo de quatro satélites de radar de abertura sintética (SAR) projetados para “[observar] a Terra do espaço, metro a metro, dia e noite, em quaisquer condições meteorológicas, para ajudar a prever deslizamentos de terra e inundações, coordenar os esforços de socorro em caso de terremotos ou incêndios, [e] verificar as áreas de crise”.

Mesmo com foco principalmente no Mediterrâneo, a natureza de suas órbitas sincronizadas com o sol (SSO – Sun Synchronous Orbit), dá aos satélites SkyMed visão da maior parte da superfície da Terra todos os dias.

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O satélite COSMO SkyMed CSG-1 foi lançado em um foguete Arianespace Soyuz em dezembro de 2019, enquanto o CSG-2 foi originalmente programado para ser lançado em 2021 em um dos primeiros foguetes Arianespace Vega-C. 

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No entanto, em julho de 2019 e em novembro de 2020, duas falhas de lançamento sofridas pelo Vega-C, separadas por apenas um único sucesso, levantaram questões importantes sobre a garantia de qualidade da operadora Arianespace e da Avio, fabricante do Vega, e também atrasaram o cronograma de lançamentos do foguete em anos. 

Combinado com a cadência de lançamento limitada e um cronograma lotado por outros foguetes da Arianespace, isso significava que a Itália provavelmente teria que esperar entre um e dois anos para lançar o SkyMed CSG-2 em um foguete europeu ou italiano.

Aparentemente valorizando mais um lançamento oportuno e acessível do que o caminho de menor resistência política, a ASI optou por embarcar o segundo satélite SkyMed em um foguete SpaceX Falcon 9 programado para decolar, a princípio, em novembro de 2021. 

Satélite italiano será lançado em foguete Falcon 9 da SpaceX. Imagem: Michael Vi – Shutterstock

ASI se justifica por contratar SpaceX

A ASI sentiu necessidade de explicar com muito cuidado sua decisão, enquanto também repetidamente (e quase com medo) reafirmava sua “confiança inabalável” e dedicação ao “parceiro-chave” Arianespace.

“O segundo satélite COSMO SkyMed de segunda geração (CSG-2) foi planejado para ser lançado por um VEGA-C em 2021, mas o desenvolvimento do lançador foi impactado pelas falhas da VV15 e VV17 e, acima de tudo, pela pandemia de Covid-19”, iniciou a explicação da agência. “Os atrasos, que adiaram o voo inicial do VEGA-C para o 1º trimestre de 2022, com o consequente cronograma apertado de lançamentos no mesmo ano, fizeram com que o período de lançamento do CSG-2 não fosse mais compatível com as necessidades da missão COSMO”. 

O comunicado continua. “Como o backlog da Arianespace já estava cheio nos sistemas Soyuz e Ariane em 2021, não era possível ter uma solução de backup europeia compatível com o cronograma CSG-2, portanto, uma solução alternativa com o provedor norte-americano SpaceX foi adotada, permitindo manter o lançamento do CSG-2 no ano corrente”. 

Eles fizeram questão de enfatizar o compromisso com as empresas da UE. “Alinhado com o seu apoio duradouro garantido à indústria de lançamento europeia, a ASI confirmou a sua confiança nas capacidades do Arianespace e do VEGA-C ao contratar o lançamento do satélite CSG-3, previsto para 2024. Além disso, outras oportunidades de lançamento futuro para as missões ASI com o Vega-C estão em discussão, confirmando a Arianespace como um parceiro fundamental para a Agência”.

É importante considerar que a própria ASI – não a ESA, a Avio ou a Arianespace – é responsável pela maior parte do financiamento de desenvolvimento dos modelos Vega na última década e meia. Além disso, a agência italiana é a principal encorajadora da ESA e da UE a se comprometerem a lançar o maior número possível de cargas úteis em foguetes europeus.

No entanto, ela mesma está descobrindo as desvantagens de pressionar por arranjos políticos benéficos para as indústrias domésticas, enquanto é forçada a descobrir o quão politicamente viável é buscar alternativas de lançamento não europeias. 

Pode haver uma pequena chance de que o breve gostinho da liberdade da Itália ao usar foguetes diferentes do Vega e Ariane 5/6 possa encorajar outros membros da UE a recuar e lutar pelo acesso a lançamentos mais baratos e confiáveis. No entanto, parece muito mais provável que o SkyMed CSG-2 seja apenas uma exceção.

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