Mesmo tendo passado por um ano turbulento – afinal, foram três situações extremas enfrentadas somente em 2021, uma em março, outra em junho e a outra em outubro -, o telescópio espacial Hubble, no auge de seus 31 anos de atividade, continuou enviando imagens incríveis do espaço para análise de sua equipe em terra.

E entre essas imagens, algumas se destacam por estarem entre as mais estranhas descobertas feitas pelo observatório. Veja, abaixo, as dez estruturas espaciais mais enigmáticas e incomuns reveladas no ano que acabou de terminar.

1) Um “Pac-man” no universo

Embora pareça muito, a imagem abaixo não mostra o icônico personagem “Pac-Man”, dos videogames, devorando fantasminhas pelo universo. Na verdade, trata-se do objeto N 63A, uma supernova localizada na Grande Nuvem de Magalhães, que fica a cerca de 163 mil anos-luz de distância da Terra e cuja imagem foi capturada pelo Hubble.

Essa região imediatamente vizinha da Via Láctea serve de moradia para várias nuvens formadoras de estrelas – ou “nebulosas” – e é considerada pela Nasa uma das galáxias da formação primária do Universo, o que nos permite estudos de como a vida começou. 

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Uma supernova parecida com o personagem "Pac-Man" dos videogames, registrada pelo Hubble
Imagem: Nasa/Divulgação

Segundo a Nasa, supernovas são conhecidas por desencadear eventos de formação planetária, uma vez que suas explosões são tão violentas que espalham diversos elementos necessários à criação de corpos celestes por várias áreas do espaço. No caso específico da N 63A, a agência espacial diz que ela ainda é relativamente jovem, então ainda não atingiu todo o seu potencial de descarga de material. Em outras palavras, em alguns milhões de anos, o “Pac-Man” ali em cima deve desaparecer, dando lugar a um novo show visual.

2) Uma água-viva fantasmagórica, ressuscitada dos mortos

Aglomerados de galáxias são as maiores estruturas conhecidas no universo unidas pela gravidade. Além de abrigar milhares de galáxias, eles podem conter enormes nuvens de gás quente e, às vezes, até mesmo o fantasma brilhante de uma “água-viva”. 

No aglomerado de galáxias Abell 2877, localizado a cerca de 300 milhões de anos-luz da Terra, ao sul, astrônomos descobriram um desses fantasmas. Visível apenas em uma faixa estreita de luz de rádio, a geleia cósmica tem mais de 1 milhão de anos-luz de largura.

De acordo com um estudo publicado em março no The Astrophysical Journal, nenhuma estrutura tão grande havia sido vista em uma faixa de luz tão estreita. Para os pesquisadores, pode ser que essa geleia cósmica seja, na verdade, uma “fênix de rádio”. 

Imagem: Torrance Hodgson, ICRAR/Curtin University

Uma estrutura cósmica nascida de uma explosão de alta energia (como uma explosão de buraco negro) desaparece ao longo de milhões de anos à medida que a estrutura se expande e seus elétrons perdem energia. Então, finalmente, ela é reenergizada por outro cataclismo cósmico (como a colisão de duas galáxias), gerando como resultado uma estrutura enorme que irradia brilhantemente em certas frequências de rádio, mas escurece rapidamente em todas as outras. É um fantasma, uma água-viva e uma fênix, tudo em um único evento!

3) Um planeta extremamente raro no nariz de Órion

Uma pesquisa publicada em setembro na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society trouxe mais evidências sobre um sistema solar excêntrico empoleirado no nariz da constelação de Órion, que já vem sendo estudado há alguns anos.

Segundo essa abordagem, o sistema estelar pode conter o tipo mais raro de planeta já visto no universo: um único mundo orbitando três sóis simultaneamente.

Imagem: ESO / L. Calçada, Exeter / Kraus et al.

Conhecido como GW Orionis (ou GW Ori), esse sistema solar está localizado a cerca de 1,3 mil anos-luz da Terra e é composto por três anéis laranja de poeira aninhados um dentro do outro, cuja imagem, flagrada pelo Hubble, se assemelha a uma mosca gigante no céu. 

No centro da mosca vivem três estrelas – um par travado em uma órbita binária fechada uma com a outra, e uma terceira girando amplamente em torno das outras duas.

Sistemas de estrelas triplas são raros no cosmos, mas GW Ori se torna mais estranho quanto mais os astrônomos o observam. 

4) Um canhão de energia de buraco negro em forma de hélice

Em 2019, pesquisadores divulgaram a primeira imagem de um buraco negro supermassivo, um objeto gigantesco cerca de 6,5 bilhões de vezes maior que o Sol e localizado a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra, na galáxia Messier 87

Imagem: Pasetto et al., Sophia Dagnello, NRAO/AUI/NSF

No ano passado, cientistas deram outra olhada no objeto usando o observatório Very Large Array (VLA) no Novo México, focando agora no enorme jato de matéria e energia explodindo do centro do buraco negro. 

De acordo com a análise da equipe, o jato gigantesco foi contorcido em uma bizarra estrutura de “dupla hélice” por um campo magnético em forma de saca-rolhas que explode do buraco negro em direção ao espaço profundo por quase 3,3 mil anos-luz. 

Conforme destaca o Live Science, os pesquisadores afirmam que esse é o campo magnético mais longo já detectado em um jato galáctico, que fornece uma nova visão de um dos fenômenos mais comuns no universo.

5) Algo muito estranho no centro da Via Láctea

Como o Olhar Digital divulgou em novembro, uma equipe de pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências descobriu uma espécie de barreira misteriosa que parece impedir os raios cósmicos de penetrarem no centro da Via Láctea. Ainda mais estranhamente, a mesma região aparenta estar acelerando esses raios a altíssimas velocidades.

Eventos altamente energéticos, como duas galáxias se chocando, ou objetos como buracos negros supermassivos, expelem tempestades de raios cósmicos, que são essencialmente prótons acelerados até quase a velocidade da luz por esses eventos e objetos celestes, que interagem com o campo magnético de nossa galáxia de tal maneira que parece formá-los no que é conhecido como “mar cósmico”.

Segundo a teoria dos cientistas chineses, existe um buraco negro supermassivo, chamado Sagitário A*, situado no centro da Via Láctea, que dispara os raios cósmicos em um redemoinho.

Imagem: NASA Goddard

No entanto, a equipe descobriu que alguns desses raios foram incapazes de abrir caminho através da tal barreira densa para entrar no mar de raios cósmicos – a nuvem molecular central de poeira interestelar e gás hidrogênio.

Outros raios que não foram totalmente interrompidos por essa barreira primeiro diminuíram a velocidade e, em seguida, misteriosamente aumentaram de velocidade ao passar pela nuvem central, levando os pesquisadores a acreditar que há algo como um acelerador de partículas no centro da galáxia.

A resposta mais aparente para essa aceleração seria o Sagitário A* – mas a equipe não conseguiu chegar a uma conclusão definitiva, nem descartar outras explicações possíveis, como resquícios de uma supernova.

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6) Um enorme “estaleiro” de galáxias antigas

Em um estudo de outubro publicado na revista Astronomy & Astrophysics, cientistas compartilharam a descoberta de um enorme “estaleiro” onde as galáxias são construídas, semelhante àquele do qual nossa Via Láctea surgiu. 

Chamada de protoaglomerado, a estrutura gigante contém mais de 60 galáxias e está a 11 bilhões de anos-luz da Terra, em uma parte do universo que tem apenas 3 bilhões de anos.

Imagem: ESA/Herschel e XMM-Newton; NASA/Spitzer; NAOJ/Subaru; Grande Telescópio Binóculo; ESO/VISTA. Polletta, M. et al. 2021; Koyama, Y. et al. 2021

Protoaglomerados como este, segundo os cientistas, formam-se em regiões do espaço onde passam longos filamentos de gás, fornecendo um buffet de hidrogênio para a gravidade permitir a formação de estrelas e galáxias. 

Segundo os pesquisadores, as galáxias jovens que se unem neste “estaleiro” parecem estar crescendo a uma velocidade voraz, quase irrealista. A descoberta sugere que os protoaglomerados antigos eram muito mais eficientes na montagem das bases do universo moderno do que jamais se imaginou.

7) Uma “cavidade” de 500 anos-luz na Via Láctea

Duas nuvens de gás aparecem lado a lado na Via Láctea. Conhecidas como “aglomerados moleculares”, essas enormes províncias de gás formador de estrelas se estendem pelo céu, parecendo formar uma ponte entre as constelações de Touro e Perseu. 

Mapas 3D da região, criados com base em imagens do observatório espacial Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA), mostram que essas nuvens estão, na verdade, separadas por centenas de anos-luz por uma enorme esfera vazia totalmente ausente de gás, poeira e estrelas. 

Imagem: Alyssa Goodman/Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian

Apelidado de Supercasca de Perseus-Taurus, esse abismo recém-detectado se estende por cerca de 500 anos-luz de largura, de acordo com um estudo publicado em setembro no The Astrophysical Journal Letters, e provavelmente foi criado por uma supernova catastrófica milhões de anos atrás.

Segundo os estudiosos, a boa notícia é que a antiga explosão provavelmente acelerou a formação de estrelas nas bordas da supercasca, dando um final feliz a essa “tragédia”.

8) O túnel magnético que circunda o sistema solar

Um estudo conduzido por uma astrônoma da Universidade de Toronto, e publicado na revista Science em outubro, sugere que todo o nosso sistema solar é cercado por um enorme túnel magnético.

Segundo a equipe, o modelo se concentra em duas estruturas principais no céu: o North Polar Spur e a Fan Region (algo como “Esporão Polar Norte” e “Região do Leque”).

Imagem: Dominion Radio Astrophysical Observatory / Villa Elisa telescope / ESA / Planck Collaboration / Stellarium / J. Oeste.

Embora as estruturas estivessem aparentemente desconectadas desde suas descobertas na década de 1960, os pesquisadores liderados pela astrônoma Jennifer West agora indicam que elas são, na verdade, parte de um enorme campo magnético semelhante a um túnel em torno do sistema solar. 

“Se fôssemos capazes de ver ondas de rádio e olhássemos para o céu, veríamos essa estrutura em forma de túnel em quase todas as direções”, disse a astrônoma em comunicado à imprensa. 

9) A primeira visão de uma estrela “espaguete”

Pela primeira vez, astrônomos conseguiram observar a silhueta de uma estrela sendo ‘espaguetificada’ enquanto é sugada por um buraco negro. A visualização acontece após décadas enxergando apenas as explosões de radiação eletromagnética proveniente de buracos negros, quando presumiam que esse era o resultado de estrelas sendo dilaceradas.

No entanto, os cientistas nunca conseguiam ver a silhueta real. Giacomo Cannizzaro e Peter Jonker, do Instituto de Pesquisa Espacial da Holanda (SRON) e da Universidade de Radboud, junto a outros cientistas, finalmente foram capazes de observar as linhas de absorção espectrais causadas por fios de uma estrela ‘espaguetificada’. E o resultado é este que você confere a seguir:

Imagem: NASA / CXC / M. Weiss

10) Uma “cabana misteriosa” do outro lado da Lua

Terminamos a lista com um objeto muito mais perto de nós do que qualquer outro descrito em 2021. Que tal uma “cabana misteriosa” flagrada do outro lado da Lua? Essa descoberta não foi feita pelo Hubble, mas, sim, pelo rover chinês Yutu 2, que avistou a anomalia em forma de cubo no fim de outubro.

Seria como um obelisco alienígena, à la Stanley Kubrick de “2001: Uma Odisseia no Espaço”? Ou é mesmo algo muito mais chato, como uma das muitas pedras comuns lunares? Yutu ainda levará dois ou três meses para dar uma olhada mais de perto — e, espera-se, uma resposta satisfatória — de acordo com a Administração Espacial Nacional da China. 

Imagem: CNSA/Our Espaço

Segundo cientistas, o retângulo fotografado em baixa resolução também pode ser só uma ilusão de ótica. Não seria a primeira vez: em 2019, a sonda Yutu-2 havia avistado o que parecia ser uma “substância como gel” e, no fim das contas, eram apenas pedras. Em 2021, um “fragmento misterioso” também foi encontrado  – e eram (surpresa!): pedras.

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