A partir do mês que vem, a transferência de veículo pelo celular se tornará universal no Brasil. Até agora, apenas o Detran-DF havia partido na frente. A compra e venda de carros entre pessoas físicas neste novo formato é vista como importante para agilizar os processos e desburocratizar os negócios, mas levanta dúvidas quanto à segurança.

Uma compra tradicional é bastante burocrática, exigindo passagem no cartório. Mas não se associa a ele os riscos da internet, como fraudes, golpes, a ação de gangues virtuais. Também há a questão de essa facilidade toda em transferir propriedade tornar mais fácil a vida de bandidos do mundo físico.

Conversamos com Jorge Lordello, ex-delegado e especialista em segurança pública e privada, que estuda esse segmento há 30 anos. Lordello já escreveu livros sobre segurança publicados no Brasil e em mais 28 países, além de apresentar o programa Operação de Risco, na Rede TV.

Jorge Lordello | Imagem: divulgação

Lordello diz que não é bem por aí. Veja a seguir.

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Olhar Digital: O que você acha da transferência de veículos por celular?

Lordello: Está ocorrendo no mundo inteiro uma evolução digital. Ou seja, a novidade é um movimento natural existente em todos os setores, com uma de suas principais características sendo a desburocratização. Cada vez mais a sua vida passa pelo smartphone, não há como fugir dessa tendência. Os documentos em papel já estão acabando, nem a polícia trabalha mais com papel. A digitalização acontece em setores muito importantes, como na justiça (tudo sendo digitalizado). O advogado nem precisa ir ao fórum, por exemplo.

Como fica então com relação à segurança? Piora?

Tudo que se imaginar está no universo dos golpes. Não há como fugir da imaginação do estelionatário. O criminoso se aproveita de qualquer tipo de situação para levar vantagem. As práticas criminosas também acompanham as tendências e, assim como já ocorrem no sistema “em papel”, ocorrem nos processos digitais. Veja os casos com o Pix. O criminoso acaba utilizando o Pix para obter lucro. Em relação à compra e venda de carros, o sistema atual é composto de muita burocracia. Cartório, fila no cartório, vendedor e comprador tendo que ir até o local físico, mexer com papéis, todo um processo antiquado que não está livre de golpes. Para enganar as vítimas, os golpistas utilizam sites famosos, como Mercado Livre, OLX, isso [os golpes] faz parte da sociedade.

Você diz engenharia social?

Sim. Os criminosos aplicam o que antigamente se conhecia como “conto do vigário”. Veja, na modalidade [antiga] de transferência de veículos via cartório, já há golpe. Por exemplo, o golpe de falso leilão e o golpe do “falso intermediário”, onde o golpista engana duas pessoas: o vendedor e o comprador.

O sistema novo não pode facilitar a atuação de gangues do mundo físico?

Ao transferir um veículo e depois alguém notar que foi vítima de um roubo ou furto, a pessoa vai travar o veículo na delegacia. Cabe ao comprador tomar todas as cautelas. porque, se não, mesmo se for no cartório, vai ser o mesmo problema.

O problema do pix é muito maior. Porque se trata de uma transferência de dinheiro o golpe em uma transferência vem antes.

O sistema antigo então não era melhor?

Muitos dos principais golpes podem acontecer de forma alheia ao sistema digital, como já acontece no modelo antigo [cartório]. O interesse do golpista está focado em como ganhar dinheiro das vítimas. Há golpes que ocorrem dentro do próprio cartório. A transferência de veículo pelo aplicativo de celular é um benefício junto à rapidez de um processo digital.

Além disso, há comunicação digital com o sistema do Detran – o que reforça a segurança. Diante da vantagem da transferência rápida, problemas com o veículo já passam para o comprador, por exemplo. No procedimento pelo papel, em alguns casos, ocorriam situações em que uma parte se esquecia de comunicar a negociação ao Detran, gerando outros problemas.

O processo de agora é menos burocrático e resolve a rapidez da comunicação. Outro fator interessante relacionado à segurança é a necessidade de um cadastro no portal .gov.br. Nada impede que um estelionatário produza um cadastro falso (como por exemplo um documento falso e cadastro em nome de outra pessoa). Entretanto, existe uma certa dificuldade para o golpista burlar um sistema governamental justamente para esse fim.

Você quer dizer que o digital é mais seguro?

Veja, em situações de golpe na transferência de veículo pelo celular, vamos supor que o estelionatário aplique um cheque sem fundo, ou dinheiro falsificado, por exemplo. A vítima ainda tem o Detran, Polícia Civil e tudo mais para recorrer. Mesmo tendo sido feita a transferência [do veículo], com o Boletim de Ocorrência realizado, o carro fica “trancado” (com registro de estelionato, podendo ser apreendido em uma blitz, por exemplo).

O modelo antigo é burocrático e não foge de golpes. O modelo atual tira a burocracia e permite transferência a distância (e ainda assim, é imprescindível manter o mesmo nível de atenção com relação a golpes). Com relação à comparação com os golpes por meio do Pix, há uma certa diferença nos riscos, tendo em vista que passar o veículo para um novo proprietário ainda exige tarefas como a vistoria do carro.

Antes de fazer qualquer tipo de pagamento, o comprador deve levar o carro para fazer a vistoria particular obrigatória. O comprador não pode aceitar do vendedor uma vistoria que pode ser falsificada. Após o interessado em comprar o veículo levar o carro para a vistoria – e o carro receber um laudo positivo – ele efetua o pagamento da vistoria – se o laudo não for positivo, o vendedor paga.

Neste procedimento, as empresas autorizadas a fazer a vistoria têm contato direto com o Detran – estando tudo ok, é dado o laudo positivo. É muito importante também verificar quem é o dono do carro (confirmar se é quem está vendendo/negociando) e prestar atenção em situações de inventário, se o veículo ainda está sendo pago ao banco, etc.

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Imagem: Marat Musabirov/iStock