Não há como negar: se tivéssemos que escolher um único protagonista para o ano de 2021, certamente seria a indústria de tecnologia espacial: no ano passado, fizemos mais lançamentos que em qualquer outro ano da história, e isso pavimentou o caminho para um 2022 que, para todos os efeitos, promete ser ainda mais movimentado.

Os episódios que marcaram essa evolução são vários. Tantos que, se fôssemos listar um por um, precisaríamos de um site inteiro dedicado apenas a isso. Então selecionamos os cinco principais exemplos que representam bem o crescimento da indústria aeroespacial em 2021:

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China faz volume em sua indústria espacial

Uma das principais potências econômicas da última década, a China também teve destaque na indústria espacial. Entre 2000 e 2010, o gigante asiático mal fechava um ano com 10 lançamentos. Entretanto, em 2021, foram 56 deles – e apenas três falharam.

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Isso serve como símbolo do investimento pesado que a China vem fazendo em seu programa espacial. Assim como nos EUA, lá, a indústria tem forte laço com o militarismo, e vem recebendo fundos e mais fundos do governo. Um dos principais projetos do país, hoje, é a construção da sua própria estação espacial: a Tiangong conta com seu módulo principal já em posição, com astronautas (ou, como eles se referem, taikonautas) vivendo e conduzindo experimentos – em uma escala menor, porém da mesma forma como a Estação Espacial Internacional (ISS) vem fazendo há 23 anos.

Mais além, a China conta com um satélite e um rover (veículo de exploração terrestre) em Marte, além de outro rover na Lua. E o projeto não para por aí: além de levar os outros dois módulos da estação ainda em 2022 (se tudo correr como o planejado), a China também vem aprimorando sua principal linha de foguetes – a Long March -, com dois novos veículos atualmente em estudo de produção: o Long March 9, que pode levar até 140 toneladas de carga para a baixa órbita (entrega de satélites, por exemplo) ou 50 toneladas em viagens mais longas (para a Lua ou Marte); e o Long March 5DY, já em desenvolvimento para missões tripuladas à Lua.

De olho na Lua, em Marte e até em sua própria estação orbital, a China vem investindo com força para se tornar um dos principais jogadores da indústria espacial
De olho na Lua, em Marte e até em sua própria estação orbital, a China vem investindo com força para se tornar um dos principais jogadores da indústria espacial (Imagem: BeeBright/Shutterstock)

Starship faz primeiro voo de teste (e consegue voltar inteira)

A SpaceX, empresa fundada e liderada por Elon Musk, conseguiu, depois de inúmeras falhas, realizar sua principal proposta com o protótipo Starship SN15, em maio de 2021: não apenas a empresa conseguiu lançar a nave (ainda que ela não tenha chegado ao espaço), mas ela também a trouxe de volta inteira.

Lançamentos já haviam sido feitos anteriormente (resultando em protótipos explodindo no meio da viagem) ou então falharam antes mesmo do foguete alçar voo. Mas com o sucesso da SN15, a SpaceX está pronta para voar mais alto: hoje a empresa trabalha em um novo protótipo, a Starship SN20, que deve conduzir o primeiro voo orbital em caráter de teste entre março e abril deste ano.

Mais além, em paralelo, a empresa vem desenvolvendo a Starbase, a estrutura de produção e testes não apenas da nave, mas do seu foguete propulsor, o Super Heavy. Tanto a SN20 como o Super Heavy B4, o mais recente protótipo do foguete, já passaram pelos testes de disparo estático, efetivamente colocando-os mais perto de um voo real.

SpaceX e o foguete mais alto do mundo

A empresa de Elon Musk conseguiu um recorde para chamar de seu em 2021: depois de muitos testes separados, a Starship SN20 e o foguete Super Heavy B4 foram, finalmente, acoplados e verticalizados, mostrando pela primeira vez o conjunto completo que forma o sistema de propulsão ao espaço mais alto do mundo.

Ao contrário do que se via na época dos ônibus espaciais, onde as naves eram acopladas “nas costas” de um foguete, a Starship fica posicionada em cima do Super Heavy. A grosso modo, a base da nave e a cabeça do foguete se conectam. O resultado disso é um imenso “prédio” de 120 metros de altura, superando com certa folga o dono anterior do recorde, o foguete Saturn V, da NASA.

Por si só, o recorde parece pouca coisa, mas ele serve como símbolo da rápida evolução da SpaceX no desenvolvimento do projeto Starship e na indústria espacial como um todo. Em janeiro de 2021, o local onde hoje está instalada a Starbase era nada mais que um galpão anexado a uma estrada de terra. Um ano depois, ele já conta com o suporte do foguete e da nave, além de estruturas de montagem e execução de testes e, de quebra, três braços robóticos semi autônomos do tamanho de guindastes, que serão usados para “agarrar” a nave e o foguete quando estes retornarem à Terra após o lançamento.

Tudo isso, recentemente, recebeu a primeira inspeção de técnicos da NASA, que contam com a estrutura da SpaceX para realizar várias missões do Programa Artemis, que levará o homem de volta à Lua até 2025.

Imagem mostra o foguete Super Heavy montado em sua base de lançamento.

O Super Heavy e a Starship foram finalmente acoplados um ao outro, criando a plataforma de lançamento de foguetes mais alta do mundo e dando à SpaceX um novo recorde na indústria espacial
O Super Heavy e a Starship foram finalmente acoplados um ao outro, criando a plataforma de lançamento de foguetes mais alta do mundo e dando à SpaceX um novo recorde na indústria espacial (Imagem: SpaceX/Divulgação)

A indústria espacial como ponto turístico

Somente em 2021, vimos pelo menos cinco voos ao espaço feitos com tripulação parcialmente ou totalmente civil. Embora alguns destes tenham sido iniciativas das próprias empresas espaciais, outros foram projetos privados alavancados por pessoas com dinheiro suficiente para gastar – em causa própria ou não.

Em julho, o bilionário Richard Branson, da Virgin Galactic, fez um voo suborbital, se antecipando em cerca de 20 dias a Jeff Bezos, ex-Amazon e líder da Blue Origin, que foi ao espaço no dia 20 do mesmo mês. Pouco tempo depois, a Blue Origin mais uma vez levaria pessoas comuns ao espaço, destacando desta vez ninguém menos que William Shatner, o ator que viveu o Capitão Kirk na série Jornada nas Estrelas.

Em seguida, a SpaceX colocou em órbita a missão Inspiration4, que levou quatro civis em uma ação concebida pelo empreendedor bilionário Jared Isaacman, em um projeto para levantar fundos para um tradicional hospital de pesquisa contra o câncer infantil nos EUA. Depois, a Blue Origin deu as caras mais uma vez, levando em seu terceiro voo Laura Shepard Churchley, filha de Alan Shepard, o primeiro americano a ir ao espaço.

Ainda conosco? Que bom, porque a conta acaba só agora, com o voo de Yusaku Maezawa, bilionário japonês do ramo da moda e pretenso youtuber, que registrou sua viagem em uma nave Soyuz da Rússia e sua estadia de aproximadamente duas semanas na ISS em uma espécie de diário virtual em seu canal.

É bem provável que missões do tipo – onde civis com bastante dinheiro comprem passagens para visitar o espaço – se popularizem ao longo de 2022, com mais e mais pessoas buscando ter a experiência única de “sair da Terra” – ainda que por pouco tempo. A empresa norte-americana Axiom, por exemplo, já confirmou a tripulação que viajará em sua primeira missão privada à ISS, em 26 de janeiro.

William Shatner admirado com a vista da Terra durante sua viagem ao espaço, cortesia da Blue Origin, empresa de Jeff Bezos
William Shatner admirado com a vista da Terra durante sua viagem ao espaço, cortesia da Blue Origin, empresa de Jeff Bezos. (Imagem: Blue Origin/Divulgação)

Hollywood? O que é isso?

Antes de 2021, a Rússia já detinha seis recordes espaciais impossíveis de serem quebrados: primeiro satélite (Sputnik 1, 1957), primeiro animal (a cachorrinha Laika, também em 1957), primeiro homem no espaço (Yuri Gagarin, 1961), primeira mulher (Valentina Tereshkova, 1963), primeira caminhada espacial (Alexei Leonov, 1965) e primeira estação espacial (Salyut 1, 1971). Depois de 2021, o país adicionou mais um recorde para essa conta: o primeiro longa-metragem rodado no espaço.

É importante ressaltar que apenas parte da película foi gravada lá, mas em outubro de 2021, a Roscosmos enviou à ISS três tripulantes – o astronauta Anton Shkaplerov, o diretor de cinema Klim Shipenko e a atriz Yulia Peresild – para que eles gravassem segmentos do filme Вызов (“Vyzov”, no alfabeto latino, que se traduz para “O Desafio”), que conta a história de uma cirurgiã cardíaca (Peresild) que, apesar dos problemas que tem com a própria filha devido à sua constante ausência, deve deixá-la mais uma vez para cuidar de um cosmonauta que perdeu a consciência durante um voo ao espaço.

O filme estreia em 2022, mas ainda não tem data exata.

A atriz russa Yulia Peresild, momentos antes do lançamento da nave Soyuz MS-19, onde ela participará da gravação do primeiro filme no espaço
A atriz Yulia Peresild, momentos antes de sua partida em direção à ISS, onde ela e sua equipe gravaram o primeiro longa-metragem no espaço (Imagem: Roscosmos/Divulgação)

De um modo geral, o ano de 2021 representou não apenas o crescimento da indústria espacial, mas também a sua popularização – ou, pelo menos, popularização para quem pode pagar por ela – ao cidadão comum. Hoje, agências de todo o mundo estão abrindo seu leque de recrutamento para novos astronautas e, onde você antes era obrigado a ser um oficial de algum exército ou ter alguma formação científica, hoje a premissa é a de que o espaço se torne algo cada vez mais próximo de nós.

Resta saber se 2022 continuará essa tendência, ou se ele se firmará como algo destinado apenas “à elite”. De um lado ou de outro, o mundo está de olho.

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